quarta-feira, 8 de abril de 2009

Triangulação Trinitária

Por Pe. Samuel Medley

“Eu estou bem. Eu sei onde estamos. Estamos aqui... eu acho”. Eu era líder de um grupo de escoteiros mais jovens do que eu, treinando-os em orientação. Eles tinham um mapa e uma bússola, mas seu erro era que tinham somente um ponto de referência no terreno. “Vocês têm que olhar para aquele grupo de árvores na frente de nós e para aquela montanha atrás de nós, e então poderão saber onde estão no mapa”. Dentro de poucos minutos eles tinham triangulado nossa localização e não estávamos mais perdidos. Eles logo desenvolveram um plano para nos levar onde queríamos chegar.

Do mesmo modo, um navio no oceano usa esse princípio para manter a rota. Os antigos marinheiros usavam um instrumento chamado sextante para triangular suas coordenadas. Assim também ocorre com o sentido humano da visão, que usa três pontos: o objeto e dois olhos que formar um triângulo de visão que permite a uma pessoa ter percepção de profundidade, coordenando assim o movimento de todo o corpo. A Santíssima Trindade nos acompanha de perto durante esse tempo de final de Quaresma. Ela faz isso através das leituras do Evangelho, que sempre refletem as relações dentro da Trindade. Por que? Depois de algumas semanas de disciplina e penitência quaresmal é que estamos prontos para ouvir Deus nos falando sobre nossa própria redenção, especialmente a redenção de nossos corpos. O que Ele vai dizer? Ele irá nos colocar em uma triangulação entre três pontos, para nos mostrar como necessitamos ser curados e chegar à plenitude da comunhão trinitária da Páscoa.

O Papa João Paulo II usa o mesmo princípio quando reflete sobre a redenção do corpo, nas catequeses proferidas entre 1979 e 1984 que depois se tornaram conhecidas como “Teologia do Corpo”. Ele nos mostra três pontos: de onde viemos (o homem original), onde estamos agora (o homem histórico), e para onde estamos indo (o homem escatológico). Essa é a base de sua antropologia bíblica. Ele nos coloca diretamente nas palavras de Jesus, como se estivéssemos começando uma conversa com Jesus sobre nossos próprios corpos.

Foi Jesus, em um diálogo com os fariseus, que os levou de volta ao princípio (ver Mateus 19, 3-8), a fim de revelar o plano original do Pai que está escrito no coração e no corpo de cada pessoa humana. Então, no sermão da montanha ele levou o povo para o coração do homem histórico, ferido pelo pecado, porém remido pela graça (ver Mateus 5, 27-28), para levar nossos corações e corpos para além da nossa condição atual, rumo a um novo caminho de vida. Finalmente, em seu diálogo com os saduceus Ele nos mostra como serão nossos corpos no mundo que há de vir (ver Mateus 19, 3-9); Marcos 10, 2-12), para nos mostrar a direção que precisamos seguir.

Os padres e religiosos possuem um chamado especial, não apenas para saber de onde vieram, onde estão, e para onde vão, mas também para mostrar aos outros esse caminho. Isso é bonito na teoria, mas na prática, como se mostra?

Deixe-me compartilhar com vocês uma história que ilustra como isso funciona em um modo bem concreto. Havia uma pequena menina em um orfanato que conheci; a menina estava muito zangada. Ela estava cheia de ira. Seu pai tinha abusado dela, e a machucado profundamente enquanto jovem criança. A primeira vez que a vi, pude perceber que estava sofrendo. Sorri para ela, mas quando ela devolveu meu sorriso, vi que até mesmo o seu sorriso estava cheio de raiva. Eu sabia que ela tinha que conhecer o plano de Deus, que a havia criado em Cristo antes do início do mundo (Efésios 1, 4; 2, 10), de modo que ela pudesse ver qual era identidade antes que qualquer tipo de pecado tivesse entrado em sua vida. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que ela tinha que tomar consciência do lugar exato onde estava no momento, reconhecendo suas feridas, para que pudesse se tornar a mulher que Deus a estava chamando a ser.

A fim de ajudá-la e ajudar outras crianças, tivemos um retiro de cinco dias, onde todas as crianças do orfanato tinham que abrir a Bíblia e discutir entre elas. Elas faziam encenações de passagens da Bíblia e da vida dos santos. Elas passavam tempo na adoração eucarística e rezando o terço. Particularmente tocante foi ver as pequenas crianças se prostrando no chão em adoração. A pequena menina começou a chorar no final do segundo dia. Ela chorou por cinco dias. Parecia que saía veneno de seus olhos na forma de lágrimas, o veneno que ela tinha guardado consigo por tempo demais.

No último dia do retiro eu presenciei uma das coisas mais bonitas que já vi na vida – ela sorriu. Ela deu um sorriso livre de ira, livre da dor, um sorriso que tinha suas raízes no seu verdadeiro Pai, o Pai que não tem Pai, de onde descende toda paternidade (Mateus 23, 9), o Pai que a havia criado desde o princípio para viver uma vida em Jesus Cristo. Ela estava livre. Ela estava curada. Ela me disse: “Obrigada por me ensinar a sorrir”. Nos lhe mostramos como ver a si mesma com os olhos da Santíssima Trindade. Ela tinha entrado na triangulação trinitária.

Olhar uma pessoa com os olhos do Pai é ver o plano original de Deus nela. Ao ver uma pessoa com os olhos de Jesus Cristo nós vemos e aceitamos inteiramente a situação exata que estão vivenciando no momento, incluindo sua dor e fraqueza crucificadas, sem ignorar todas as tentações e sofrimentos que estão passando, mas mostrando-lhes que aceitamos totalmente onde estão no momento. Então o Espírito Santo nos mostra a distância entre quem eles foram criados para ser e onde estão agora, e vê-los com os olhos do Espírito Santo é preencher o vazio dessa distância com amor. É assim que levamos as pessoas a terem a comunhão da Santíssima Trindade em seus corações e em seus corpos.

Fiquei surpreso ao ver minha jovem amiga no orfanato um ano depois. Ela estava vestindo um véu de esposa de Cristo. Ela correu na minha direção e me abraçou, e enxugou suas lágrimas em meu ombro, e disse, “Agora estou ensinando outras pessoas a sorrir”.
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O Pe. Samuel Medley é sacerdote da congregação de Nossa Senhora da Santíssima Trindade, servindo como formador de religiosos e seminaristas em “Our Lady of Corpus Christi”. Ele ensina “Teologia do Corpo no nível das ruas”, continuando o trabalho de “popularização”, mas também ensina no nível universitário, para que outros possam aprender a ensinar também. Embora tenha quatro diplomas de faculdade, ensine em dez instituições diferentes de ensino superior, e fale em dez idiomas diferentes, seu lugar favorito é como missionário nas ruas com os pobres e sofredores. É para eles, os menores dos irmãos, que ele deseja especialmente trazer a Boa Nova da Teologia do Corpo.


Traduzido do Site Catholic Exchange – Theology of the body
http://tob.catholicexchange.com/2009/03/23/651/


A página do Pe. Samuel Medley na Internet, onde você pode ver e ouvir suas palestras sobre Teologia do Corpo, é:
TOB on street level
http://tobonthestreet.blogspot.com/

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