sábado, 31 de março de 2012

Amor e Responsabilidade: a lei do dom – compreendendo os dois aspectos do amor

Por Edward P. Sri

Como uma pessoa pode saber se está em um relacionamento de amor autêntico e comprometido, ou se está apenas em mais um romance desapontador que não vai resistir ao teste do tempo?
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Esse é o assunto sobre o qual João Paulo II – então Karol Wojtyla – se debruça na próxima seção de seu livro, “Amor e Responsabilidade”, quando ele discute os dois aspectos do amor.

De acordo com Wojtyla, existem dois aspectos do amor, e compreender a diferença é crucial para qualquer casamento, noivado ou namoro. Por um lado, temos o que está acontecendo dentro de nós quando nos sentimos atraídos por uma pessoa do sexo oposto.

Quando um rapaz encontra uma garota, ele experimenta uma série de sentimentos e desejos poderosos em seu coração. Ele pode se encontrar fisicamente atraído pela beleza do corpo dela, ou se perceber pensando constantemente nela em uma atração emocional. Essa dinâmica interior do desejo sensual (sensualidade) e do amor emocional (sentimentalidade) molda em grande parte a maneira com que o homem e a mulher interagem um com o outro, e é isso que faz o romance, especialmente em seus estágios iniciais, ser tão emocionante para o casal envolvido.

Entretanto, esse é apenas um aspecto do amor, que não deve ser igualado ao amor no sentido mais pleno. Nós sabemos da experiência que podemos ter fortes emoções e desejos por outra pessoa sem necessariamente estar comprometido com ela, ou sem a pessoa estar verdadeiramente comprometida conosco em uma relação de amor.

É por isso que Wojtyla coloca o aspecto subjetivo do amor em seu devido lugar. Ele nos desperta e nos lembra que, não importa o quão forte experimentemos essas sensações, isso não é necessariamente amor, mas simplesmente uma “situação psicológica”. Em outras palavras, por si só, o aspecto subjetivo do amor nada mais é do que uma experiência prazerosa que está acontecendo dentro de mim.

Essas emoções e desejos não são ruins, e podem se desenvolver dentro do amor, e até enriquecê-lo, mas não devemos vê-los como sinais infalíveis do amor autêntico. Wojtyla diz: “É impossível julgar o valor de um relacionamento entre duas pessoas meramente a partir da intensidade de suas emoções... O amor se desenvolve com base em uma atitude totalmente comprometida e totalmente responsável de uma pessoa para outra pessoa”; enquanto que ao mesmo tempo os sentimentos românticos “nascem espontaneamente das reações sensuais e emocionais. Um crescimento muito rápido e muito rico de tais sensações pode esconder um amor que falhou em se desenvolver” (Amor e Responsabilidade).

Direcionando o amor para as reações interiores

Os homens e as mulheres hoje são bastante suscetíveis a cair nessa ilusão de amor, pois o mundo moderno direcionou o amor para as reações interiores, focando-se primariamente no aspecto subjetivo. No último artigo, escrevi sobre o fenômeno do “amor hollywoodiano”, que nos diz que o amor será mais forte quanto mais forte forem nossas emoções. Wojtyla, entretanto, enfatiza que há uma outra faceta do amor que é absolutamente essencial, não importando quão fortes sejam nossas emoções e desejos. A esse aspecto ele chamou de “objetivo”.

Esse aspecto tem uma série de características objetivas que vão além dos sentimentos prazerosos que experimento no nível subjetivo. O verdadeiro amor envolve virtude, amizade, e a busca de um bem comum. No casamento cristão, por exemplo, marido e mulher se unem pelo bem comum de ajudarem um ao outro a crescer em santidade, aprofundar a união, e educar os filhos. Além disso, eles devem não apenas compartilhar esse objetivo em comum, mas possuir a virtude que os ajude a chegar lá.

É por isso que o aspecto objetivo do amor é muito mais do que um olhar interior para minhas emoções e desejos. É muito mais do que os prazeres que recebo da relação. Ao considerar o aspecto objetivo do amor, devemos discernir que tipo de relacionamento existe realmente entre eu e a pessoa que amo, e não simplesmente o que esse relacionamento significa para mim em meus sentimentos. A outra pessoa me ama mais pelo que sou ou me ama mais pelo prazer que recebe da relação? Meu(minha) amado(a) compreende o que é verdadeiramente melhor para mim? Ele(ela) tem a virtude para me ajudar a chegar ao que é melhor para mim? Estamos profundamente unidos por um objetivo comum, servindo um ao outro e lutando juntos por um bem comum que é maior do que cada um de nós? Ou estamos na verdade apenas vivendo lado a lado, compartilhando recursos e ocasiões agradáveis enquanto cada um persegue egoisticamente seus próprios projetos e interesses na vida? Esse são os tipos de questões que apontam para o aspecto objetivo do amor.

Agora podemos ver porque Wojtyla diz que o verdadeiro amor é “um fato interpessoal”, não simplesmente uma “situação psicológica”. Um relacionamento forte está baseado na virtude e na amizade, não simplesmente em experimentar juntos sentimentos agradáveis e situações prazerosas. Como explica Wojtyla, “o amor enquanto experiência deve estar subordinado ao amor enquanto virtude – de tal modo que sem o amor enquanto virtude não pode haver plenitude na experiência do amor” (Amor e Responsabilidade).

Amor doação de si

Uma das marcas mais distintivas do aspecto objetivo do amor é o dom de si mesmo. Wojtyla ensina que o que faz o amor comprometido diferente de todas as outras formas de amor (atração, desejo, amizade) é que as duas pessoas “se doam” uma para a outra. As pessoas não estão apenas atraídas uma pela outra, e elas não desejam simplesmente o que é melhor para a outra. No amor comprometido, cada pessoa se rende completamente à outra pessoa. “Quando o amor comprometido entra nessa relação interpessoal surge algo mais do que uma simples amizade: surgem duas pessoas que se entregam uma para a outra” (Amor e Responsabilidade).

De fato a idéia de amor auto-doação levanta alguns questionamentos importantes: como pode uma pessoa realmente se doar a outra? O que isso significa? Afinal de contas o próprio Wojtyla ensina que cada pessoa humana é completamente única. Cada pessoa tem sua própria mentalidade e sua vontade própria. No final, ninguém pode pensar por mim. Ninguém pode escolher por mim. Portanto, cada pessoa “é seu próprio mestre”, e não está disponível a ser entregue a outra pessoa. Então, em que sentido uma pessoa pode “se doar” a(o) seu(sua) amado(a)?

Wojtyla responde dizendo que é impossível para uma pessoa se doar a outra no nível natural e físico, mas na ordem do amor uma pessoa pode fazê-lo ao escolher limitar sua liberdade e unir sua vontade à da pessoa que ama. Em outras palavras, por causa do seu amor, uma pessoa pode na verdade desejar abdicar de seu próprio livre-arbítrio e ligá-lo ao da pessoa amada. Como Wojtyla diz, o amor “faz com que a pessoa queira exatamente isto – render-se ao(a) outro(a), à pessoa amada”.

A liberdade de amar

Por exemplo, considere o que acontece quando um homem solteiro se torna casado. Como solteiro, “Roberto” é capaz de decidir o que deseja fazer, quando deseja fazer, e como deseja fazer. Ele faz sua própria agenda. Ele decide onde vai viver. Ele pode se demitir de um emprego e se mudar para outra parte do país em um instante, se quiser. Ele pode deixar o apartamento uma bagunça. Ele pode gastar seu dinheiro do modo como quiser. E ele pode comer quando quiser, sair para onde quiser, e ir dormir quando quiser. Ele está acostumado a tomar sozinho as decisões de sua vida.

O casamento, entretanto, vai mudar de modo significativo a vida de “Roberto”. Se ele decide por conta própria se demitir do emprego, comprar um carro novo, viajar no final de semana, ou vender a casa, isso provavelmente não vai se encaixar muito bem com a vida da sua esposa! Agora que “Roberto” está casado, todas as decisões que ele estava acostumado a tomar por conta própria devem ser tomadas em união com sua esposa, e procurando o que for melhor para seu casamento e para sua família.

No amor de doação de si, um homem reconhece de modo profundo que sua vida já não é mais propriedade sua. Ele rendeu sua própria vontade à sua amada. Seus próprios planos, sonhos e gostos não estão completamente abandonados, mas agora eles são colocados em nova perspectiva. Eles estão subordinados ao bem de sua esposa e dos filhos que possam surgir do casamento. Como “Roberto” vai gastar seu tempo e seu dinheiro e como ele vai organizar sua vida já não é matéria de sua própria escolha pessoal. Sua família se torna o ponto de referência primário para tudo que ele for fazer.

Essa é a beleza do amor doação de si. Como solteiro “Roberto” tinha grande autonomia – ele podia organizar sua vida como quisesse. Mas, por causa de seu amor, “Roberto” escolheu livremente abdicar dessa autonomia, limitar sua liberdade, comprometendo-se com sua esposa e com o bem dela. O amor é tão poderoso que o impele a desejar render sua vontade à sua amada desse modo profundo.

Realmente muitos casamentos hoje em dia seriam muito mais sólidos se ao menos compreendêssemos e nos lembrássemos do amor de doação a que originalmente nos comprometemos. Ao invés de perseguir egoisticamente nossas próprias preferências e desejos, devemos nos lembrar que quando fizemos nossos votos escolhemos livremente render – amorosamente desejamos render – nossas vontades ao bem do(a) nosso(a) esposo(a) e dos filhos. Como Wojtyla explica: “A forma de amor mais plena consiste precisamente na auto-doação, em fazer do inalienável e intransferível ‘eu’ uma propriedade de outra pessoa” (Amor e Responsabilidade).

A lei do dom

Agora chegamos ao grande mistério do amor doação de si. No coração desse dom de si está uma convicção fundamental de que, ao render minha autonomia à pessoa amada, eu ganho muito mais em troca. Ao unir-me com outra pessoa, minha própria vida não fica diminuída, mas é profundamente enriquecida. Isso é o que Wojtyla chama de “lei do ekstasis”, ou lei da auto-doação: “O amante ‘sai de si mesmo’ para encontrar um existência mais plena no(a) outro(a)” (Amor e Responsabilidade).

Em uma época de vigoroso individualismo, entretanto, essa profunda afirmação de Wojtyla pode ser difícil de compreender. Por que devo sair de mim mesmo para encontrar a felicidade? Por que eu deveria me comprometer desse modo radical com outra pessoa? Por que deveria abdicar da liberdade de fazer o que quisesse com minha vida? Essas são as questões do homem moderno.

Entretanto, de uma perspectiva cristã, a vida não é para “fazer o que eu quiser”. A vida é para meus relacionamentos – é para encontrar a plenitude de meu relacionamento com Deus e com as pessoas que Deus colocou na minha vida. Na verdade, é aí que encontramos plenitude na vida: em viver bem nossos relacionamentos. Mas para viver bem nossos relacionamentos precisamos muitas vezes fazer sacrifícios, rendendo nossa vontade própria para servir ao bem dos outros. É por isso que descobrimos uma felicidade mais profunda na vida quando nos doamos desse modo, pois estamos vivendo do modo como Deus nos criou para viver, do modo como o próprio Deus vive: em um amor total, comprometido e de auto-doação. Como diz uma das passagens favoritas de Wojtyla retirada do Vaticano II: “O homem só se encontra ao fazer de si mesmo um dom sincero para os outros” (Gaudium et spes nr. 24).

Essa afirmação do Vaticano II se aplica especialmente ao matrimônio, onde o amor de auto-doação entre duas pessoas humanas se mostra mais profundamente. Ao me comprometer com outra pessoa em uma relação de amor verdadeiro eu certamente limito minha liberdade de fazer “o que quiser”. Mas ao mesmo tempo eu me abro para uma liberdade ainda maior: a liberdade de amar. Como explica Wojtyla: “O amor consiste em um compromisso que limita a liberdade da pessoa – é uma doação de si, e doar-se a si mesmo significa exatamente isso: limitar a própria liberdade em prol do(a) outro(a). A limitação da liberdade da pessoa pode parecer algo negativo e desagradável, mas o amor faz dessa limitação uma coisa positiva, criativa e cheia de alegria. A liberdade existe para que se possa amar” (Amor e Responsabilidade).

Portanto, enquanto o individualista moderno pode ver a auto-doação no matrimônio como algo negativo e restritivo, os cristãos veem tais limitações como libertadoras. O que eu realmente desejo fazer na vida é amar a Deus, minha esposa e meus filhos, e meu próximo – pois nesses relacionamentos encontro minha felicidade. E se eu existo para amar minha mulher e meus filhos e para viver totalmente comprometido a eles, eu devo evitar que meus desejos egoístas dominem minha vida e controlem minha casa. Em outras palavras, eu devo estar livre da tirania do “faço o que eu quero”. Só então é que sou livre para amar do modo como Deus me criou. Só então é que sou livre para ser feliz. Só então é que sou livre para amar.
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O Autor: Edward Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College em Atchinson, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
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Traduzido de: http://catholiceducation.org/articles/marriage/mf0072.html

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sábado, 24 de março de 2012

Amor e Responsabilidade: sobre a razão e a sentimentalidade

Por Edward P. Sri

Como o "Sr. Certinho" acabou se tornando tão errado? Muitos jovens tiveram a experiência de “sentir” que estavam apaixonados por alguém que, à primeira vista, parecia absolutamente maravilhoso(a), tudo isso só para ficar muito desapontado(a) com a pessoa, desiludido(a) com o relacionamento, e talvez até descrente no sexo oposto como um todo.
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Em seu livro “Amor e Responsabilidade”, João Paulo II – então Karol Wojtyla – explica porque isso acontece com tanta frequência a homens e mulheres, e como podemos evitar essas desilusões no futuro.

Mais do que o físico

No último artigo vimos um poderoso aspecto da atração entre homem e mulher: a sensualidade. E vimos como essa atração física a maioria das vezes se caracteriza por um desejo de usufruir do corpo da outra pessoa como um objeto de prazer.

Há um segundo tipo de atração, entretanto, que vai além do desejo sexual pelo corpo, e que Wojtyla chama de “sentimentalidade”. Ela representa mais do que uma atração emocional entre os sexos.

Por exemplo, quando um rapaz conhece uma garota, além de notar sua beleza, ele também pode ficar bastante atraído pela sua feminilidade, sua personalidade acolhedora, sua graciosidade – ou, como Wojtyla chama, seu “charme” feminino. Do mesmo modo, quando a garota encontra um rapaz, ela pode não apenas reconhecer que ele é bonito, mas também descobrir em si mesma fortes sentimentos e admiração por sua masculinidade, suas virtudes, o modo como ele se porta – ou, como Wojtila chama, sua “força” masculina.

Tais reações emocionais para com pessoas do outro sexo acontecem o tempo todo. Elas podem evoluir gradativamente entre um homem e uma mulher, ou podem acontecer desde o primeiro instante em que se encontram. Podemos experimentar sentimentos afetuosos pelo cônjuge, um colega de trabalho, ou um amigo(a) de longa data. Ou podemos experimentá-los por uma pessoa que conhecemos em uma reunião, um estranho que vemos no shopping, ou mesmo um personagem fictício que vemos na TV.


A sentimentalidade pode ser parte do que leva ao amor autêntico. Mas, se não tomarmos cuidado, podemos facilmente ficar escravos de nossas emoções de maneiras tais que nos impede de sermos verdadeiramente capazes de amar outras pessoas.

Um navio afundando

O amor deve integrar nossas emoções. Em sua forma plena, o amor não deve ser uma decisão fria e calculada, isenta de sentimentos. Um esposo que diz: “Querida, eu te amo. Eu não tenho sentimentos de modo algum por você, mas saiba que lhe sou fiel”, não é a situação ideal. Nossas emoções devem ser incluídas no compromisso que firmamos para com a pessoa amada, enriquecendo o relacionamento e nos dando uma experiência ainda mais profunda de união com a outra pessoa. Como explica Wojtyla, “O amor sentimental mantém duas pessoas juntas, as faz ficar – mesmo quando estão fisicamente distantes – se movendo ‘na órbita’ um do outro... Uma pessoa nesse estado de espírito permanece mentalmente sempre perto da pessoa com quem ele ou ela tem laços de afeição” (Amor e Responsabilidade).

Entretanto, Wojtila se preocupa com o fato de que muitas pessoas hoje em dia pensam no amor apenas em termos de sentimentos. Suas preocupações parecem totalmente aplicáveis à uma cultura como a nossa, na qual canções de amor, filmes de romance e programas de TV estão constantemente apelando para nossas emoções, e nos fazendo desejar relacionamentos de rápido e emocionante envolvimento sentimental, como aquele envolvimento que Tom Hanks e Meg Ryan parecem ter nos filmes.

O verdadeiro amor, entretanto, é muito diferente do “amor de Hollywood”. O verdadeiro amor requer muito esforço. É uma virtude que envolve sacrifício, responsabilidade, e um total compromisso com a outra pessoa. O “amor de Hollywood” é uma emoção. É algo que apenas acontece com você. O foco não está em um compromisso com a outra pessoa, mas no que acontece dentro de você – os poderosos sentimentos agradáveis que você experimenta quando está com essa outra pessoa.

O fenômeno do filme “Titanic”, no final dos anos 90, mostra quantas pessoas se deixam levar pela ilusão do “amor de Hollywood”. Milhões de jovens retornavam várias vezes ao cinema para experimentar o romance emocionalmente intenso entre dois personagens do filme – um romance que se desenvolve entre duas pessoas que não se conhecem realmente, e que não possuem verdadeiro compromisso uma com a outra, mas que ainda assim era visto pelos espectadores como o tipo de amor ideal que duraria uma vida toda. Com esse tipo de modelo a imitar, não é de se surpreender que tantos de nossos relacionamentos na vida real terminem em um barco furado.

Claro que nossos sentimentos podem e devem ser incorporados em um amor plenamente desenvolvido (um tema que desenvolveremos em artigos posteriores). Entretanto, quando somos levados pela emoção acabamos evitando uma questão muito importante que é crucial para a estabilidade a longo prazo de um relacionamento: a questão da verdade. Devemos primeiramente e acima de tudo considerar a verdade sobre a outra pessoa, e a verdade sobre a qualidade do relacionamento com ele ou ela.

Evitando a questão da verdade

Um perigo de fazer dos sentimentos uma medida do nosso amor é que nossos sentimentos podem ser muito enganadores. Na verdade, Wojtyla diz que os sentimentos, em si, são “cegos”, pois não estão preocupados em saber a verdade sobre a outra pessoa. Portanto, nossos sentimentos sozinhos não são uma boa referência para guiar nossos relacionamentos.

Ele explica que descobrimos a verdade através do uso da nossa razão. Eu sei que 2 + 2 = 4 não porque eu sinta que é igual a 4. Eu chego à certeza dessa verdade através da minha razão. Nossos sentimentos, por outro lado. Não têm como tarefa a busca da verdade, diz Wojtyla.

Portanto, nossos sentimentos não serão de muita ajuda como guia para ver a verdade honesta sobre a outra pessoa e a verdade sobre o relacionamento. “Os sentimentos nascem espontaneamente – a atração que uma pessoa sente por outra geralmente começa de repente e de forma inesperada – mas essa reação é um efeito ‘cego’” (Amor e Responsabilidade).

Isso se torna especialmente claro quando consideramos o que aconteceu com nossas emoções depois do pecado original. Antes de o pecado entrar no mundo, o intelecto do homem facilmente direcionava sua vontade para escolher o que é bom e guiar suas emoções de modo que suas paixões fossem direcionadas para aquele bem.

Depois da queda do pecado original, entretanto, o intelecto parece não enxergar a verdade claramente, a vontade está enfraquecida em sua resolução de buscar o que é bom, e nossas emoções já não estão corretamente ordenadas, ficam a vagar em várias direções. Portanto, agora experimentamos muita instabilidade na esfera emocional e muitos altos e baixos caóticos (amor-ódio, esperança-medo, alegria-tristeza etc.) em nossas vidas. Ainda assim, ironicamente, a visão moderna de amor nos diz para procurar precisamente nossos “sentimentos” – para olhar justo no meio dessa montanha-russa emocional – a fim de encontrar uma medida infalível de nosso amor. Não é de espantar que haja tanta confusão e instabilidade em nossos relacionamentos hoje em dia!

É realmente isso mesmo?

Além do mais, não apenas os sentimentos não possuem a tarefa de procurar a verdade, mas também os sentimentos podem ser tão fortes que turvam nossa maneira de ver a outra pessoa. Wojtyla explica que quando somos levados pelas nossos emoções, a sentimentalidade pode diminuir nossa habilidade de conhecer aquela pessoa como ele ou ela realmente é.

É por isso que Wojtyla afirma que, em qualquer atração e envolvimento emocional, a questão da verdade sobre a pessoa é crucial: “É realmente isso mesmo?”. Devemos nos perguntar: “Ele ou ela tem mesmo essas qualidade e virtudes pelas quais estou tão atraído?”. “Ele ou ela é realmente digno(a) de minha confiança?”. “Há algum problema em nosso relacionamento que eu esteja negligenciando?”.

Nosso sentimentos não lidam com essas importantes questões. Na verdade, nossos sentimentos geralmente nos levam a evitar essas questões, deixando-nos com uma percepção distorcida e exagerada da pessoa.

“É por isso que em qualquer atração... a questão da verdade sobre a pessoa pela qual se sente atraído é tão importante. Devemos levar em consideração a tendência, produzida por toda uma dinâmica da vida emocional, da pessoa evitar a questão ‘é realmente isso mesmo?’. Nessas circunstâncias a pessoa não se pergunta se a outra pessoa realmente possui os valores que – aos olhos da sua paixão – ela parece ter, mas principalmente não se pergunta se o sentimento que acabou de surgir é uma emoção verdadeira” (Amor e Responsabilidade).

Isso, repito, não quer dizer que os sentimentos sejam ruins. Mas eles não podem ser o primeiro critério para discernir a verdade honesta sobre outra pessoa ou para avaliar claramente um relacionamento.

Fora de proporções

Essa tendência de ser levado pelas emoções e de evitar questões sobre a verdade é característico do amor sentimental. Temos a tendência de exagerar o valor da pessoa pela qual nutrimos sentimentos, diminuir o peso de suas faltas, e ignorar problemas que existem no relacionamento.

Aqui Wojtyla faz uma afirmação incrível sobre o quanto nossos sentimentos podem controlar nossa percepção da outra pessoa pela qual estamos tão atraídos. “Aos olhos de uma pessoa sentimentalmente atraída por outra, o valor da pessoa amada... cresce enormemente – via de regra fora de qualquer proporção com relação ao seu real valor” (Amor e Responsabilidade).

Você entendeu? Wojtyla não disse que nos estágios iniciais do amor sentimental nós “às vezes” exageramos o valor da pessoa. Ele disse que isso acontece via de regra – nós fazemos isso o tempo todo! E ele não disse que temos a tendência de exagerar o valor da pessoa só um pouquinho. Nós tendemos a idealizar o valor da pessoa “fora de qualquer proporção” em relação a quem ele ou ela é na realidade.

Portanto, devemos entrar nos relacionamentos com nossos olhos bem abertos. Se nós ingenuamente dizemos que não idealizamos a outra pessoa de modo algum, isso provavelmente é um sinal de que já fomos muito longe da realidade. Nesses estágios iniciais do amor, se somos muito rápidos para notar três ou quatro qualidades na pessoa amada, devemos ser igualmente rápidos em admitir que provavelmente estamos caindo na tendência de exagerar essas qualidades. Como explica Wojtila, “Uma variedade de valores são atribuídos à pessoa amada, as quais ele ou ela não possui na realidade. Esses são valores ideais, não reais” (Amor e Responsabilidade).

Por que temos a tendência de idealizar aqueles por quem nos sentimos atraídos? Esses “valores ideais” são aqueles que desejamos, com todo nosso coração, encontrar em outra pessoa um dia. Eles existem em nossos desejos, aspirações e sonhos mais profundos. Quando finalmente encontramos alguém com quem se tem o menor grau de sintonia, nossas emoções rapidamente tendem a evocar esses valores ideais e projetá-los sobre a pessoa.

Usando as pessoas emocionalmente

Quando falamos de um homem usando uma mulher tendemos a pensar em termos de ele usando ela para seu prazer sexual. Entretanto, Wojtyla chama a atenção que homem e mulher podem usar um ao outro também para um prazer emocional. Um devoto homem cristão, ou mulher cristã, pode ter um namoro completamente casto, mas ainda assim estar usando a outra pessoa por causa dos “sentimentos legais” que experimenta quando estão juntos, pela segurança emocional de ter um(a) namorado(a), ou pelo prazer que deriva de imaginar o dia do casamento com essa pessoa e esperar que ele ou ela seja finalmente a pessoa certa.

Se eu caio em tal idealização sentimental, a pessoa amada não é de fato a recebedora de minhas afeições. Ao invés, a outra pessoa é mais uma oportunidade para mim de usufruir dessas poderosas reações emocionais que tomam meu coração. Nesse caso, não amo realmente a outra pessoa por ela mesma, mas acabo usando-a pelo prazer emocional que obtenho de estar com ela. Como explica Wojtyla, o(a) amado(a) que é idealizado(a) “se torna meramente uma ocasião para uma descarga, na consciência emocional da pessoa, dos valores que ele ou ela deseja com todo seu coração encontrar na outra pessoa” (Amor e Responsabilidade).

Desilusão

Talvez o efeito mais trágico da idealização sentimental é que nós terminamos sem sequer conhecer a pessoa pela qual nos sentimos tão atraídos. Por exemplo, um homem vivendo um amor sentimental pode procurar estar perto da amada, passar muito tempo com ela, conversar com ela, e até mesmo ir para a Missa com ela, e rezar por ela. Entretanto, se ele a idealizou, ele permanece bem distante dela – pois a poderosa afeição que ele sente por ela não depende de seu real valor, mas apenas dos “valores ideais” que ele projetou nela.

Inevitavelmente, essa sentimentalidade, quando não corrigida, resulta em grande desilusão. Pois quando a pessoa real não consegue corresponder ao ideal, os fortes sentimentos começarão a diminuir, e já não haverá muita coisa para segurar o relacionamento. O amante estará bem desapontado com a amada. Portanto, muito embora o casal possa dar toda aparência de estar emocionalmente em sintonia, eles permanecem de fato bastante divididos um do outro. Eles podem até nem se conhecer de verdade, e podem estar até mesmo usando um ao outro pelo prazer emocional que obtém dessa idealização.
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O Autor: Edward Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College em Atchinson, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
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Traduzido de: http://catholiceducation.org/articles/parenting/pa0111.html

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sábado, 17 de março de 2012

Amor e Responsabilidade: evitando atrações fatais

Por Edward P. Sri (baseado no seu livro “Men, Women and the Mystery of Love”)

Um homem almoçando em um restaurante observa uma mulher atraente em outra mesa, e sua beleza imediatamente captura sua atenção. Seu coração bate mais forte, e ele se descobre desejando vê-la de novo.

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Mais ainda: não é a primeira vez que ela atrai seu olhar. E sua atração para ela é mais do que física. Ela trabalha para a mesma grande companhia, e ele sente-se fascinado pela sua personalidade acolhedora, seu sorriso cativante e sua gentileza no trato com os outros. Ele está apaixonado pela sua brilhante personalidade tanto quanto pela sua beleza natural.

Atrações básicas como essa acontecem todo tempo entre homem e mulher. Algumas vezes elas se fazem sentir bem rapidamente: um homem na fila do supermercado pode se sentir imediatamente atraído por uma mulher que vê passar. Uma mulher na Igreja pode notar um homem rezando no final da Missa, e se descobrir pensando nele o resto do dia. Algumas vezes as atrações mais profundas demoram um longo tempo para se desenvolver: um homem e uma mulher que foram amigos ou colegas por muitos meses podem gradualmente se atraírem um ao outro emocionalmente e fisicamente.

Em seu livro “Amor e Responsabilidade”, João Paulo II analisa a anatomia de uma atração. O que está realmente acontecendo quando homem e mulher se encontram atraídos um pelo outro?

A anatomia de uma atração

Comecemos explicando alguns dos termos que o Papa João Paulo II utiliza. Em um nível mais básico, atrair alguém significa ser considerado por aquela pessoa como um bem. Por sua vez, ser atraído por outro alguém significa que eu percebo algum valor naquela pessoa (valor tal como sua beleza, virtude, personalidade etc.), e que eu respondo a esse valor. Essa atração envolve os sentidos, a mente, a vontade, as emoções, e nossos desejos.

A razão pela qual homem e mulher se atraem tão facilmente um ao outro é o impulso sexual. Lembre-se que o impulso sexual é a tendência de procurar o sexo oposto. Com o impulso sexual, ficamos particularmente orientados na direção das qualidades fisiológicas e psicológicas de uma pessoa do sexo oposto – seu corpo e sua masculinidade ou feminilidade. João Paulo II chama essas qualidades físicas e psicológicas de “valores sexuais” de uma pessoa.

Portanto, uma pessoa fica facilmente atraída por outra do sexo oposto de duas maneiras: fisicamente e emocionalmente. Primeiramente, um homem fica atraído fisicamente pelo corpo de uma mulher, e uma mulher fica atraída ao corpo de um homem. O Papa chama essa atração ao corpo de sensualidade.

Em segundo lugar, um homem também se atrai emocionalmente pela feminilidade de uma mulher, e a mulher fica emocionalmente atraída pela masculinidade de um homem. O Papa João Paulo II chama essa atração emocional de sentimentalidade.

Nos próximos artigos, refletiremos sobre o papel das emoções e da sentimentalidade. No presente artigo, focalizaremos a atração sensual que homem e mulher experimentam um pelo outro.

Razão e sensualidade

Como vimos, a sensualidade está ligada ao valor sexual inerente ao corpo da pessoa do sexo oposto. Tal atração não é má em si mesma porque o impulso sexual deve nos levar não apenas para o corpo, mas para o corpo de uma pessoa. Portanto, uma reação sensual inicial deve nos orientar para a comunhão pessoal (não apenas a união corporal), e pode servir como um ingrediente do autêntico amor se estiver integrado com aspectos mais elevados e nobres do amor – tais como a vontade, a amizade, a virtude, ou o compromisso de doação de si.

Não obstante, o Papa diz que as atrações sensuais, por si mesmas, podem levar a grande perigos. Primeiramente, “a sensualidade por si própria não é amor, e pode facilmente se transformar no seu oposto”. A razão pela qual a sensualidade pode ser tão perigosa é que, por si mesma, ela cai facilmente em utilitarianismo. Quando somente a sensualidade é instigada, experimentamos o corpo da outra pessoa como “um potencial objeto de prazer”. Reduzimos a pessoa a suas qualidades físicas – sua beleza, seu corpo. E vemos a pessoa primariamente em termos do prazer que podemos experimentar a partir dessas qualidades.

O que é mais trágico aqui é que o desejo sensual, que deveria nos orientar na direção da comunhão com a pessoa do sexo oposto, pode na verdade impedir de amar essa pessoa. Um homem, por exemplo, pode sensualmente ponderar em sua mente ou ativamente procurar o corpo de uma mulher como meio para gratificação sexual. E ele pode fazer isso sem nenhum interesse real nela como pessoa. Ele pode concentrar-se em seus valores sexuais – e no prazer que consegue a partir desses valores – ao ponto tal em que sua atração sensual ao seu corpo na verdade o impede de responder ao seu valor como pessoa. É por isso que o Papa João Paulo II diz que a sensualidade por si mesma cega a pessoa. “A sensualidade em si mesma tem uma ‘orientação de consumo’ – dirige-se primariamente e imediatamente ao ‘corpo’: toca a pessoa apenas indiretamente, e tende a evitar o contato direto”.

Gosta de chocolate?

Em segundo lugar, o Papa diz que a sensualidade, em si mesma, não apenas deixa de alcançar a pessoa, mas chega até a falhar na apreensão da beleza do corpo. Ele explica como a beleza é experimentada através da contemplação, não através do pujante desejo de usufruir. Quando estamos contemplando o esplendor de uma paisagem, um pôr do sol, uma obra de música ou um trabalho artístico, ficamos tomados pela beleza. Essa contemplação da beleza traz paz e alegria. Isso é muito diferente de uma “atitude de consumo” que visa explorar um objeto pelo prazer – uma atitude que traz inquietação, impaciência, e um intenso desejo pela satisfação.

Talvez uma analogia nos ajuda a entender melhor. Uma vez tive a oportunidade de ver o trabalho de um “artista de chocolate”. O artista tinha uma exposição de dezenas de esculturas elaboradas de barcos, flores, pássaros, torres, e prédios. O que fazia essas esculturas serem tão impressionantes é o fato de que elas eram todas feitas de chocolate ao leite e chocolate branco!

Eu posso ter duas atitudes diferentes com relação a essas esculturas de chocolate. Por um lado, eu poderia contemplá-las como obras de arte, admirando sua beleza e me permitindo ser tomado pela sua imensidade, suas proporções perfeitas, os detalhes intricados, e o trabalho do artesão, ficando assim maravilhado de que essas delicadas obras de arte tenham sido feitas somente de açúcar e cacau.

Por outro lado, eu poderia ignorar o fato de que essas esculturas são belas obras de arte feitas para serem contempladas, e vê-las primariamente como doces a serem devorados – chocolates gostosos que iriam satisfazer meus desejos! Essa última abordagem, entretanto, seria uma degradação das obras de arte do artesão, reduzindo-as a meros objetos a serem consumidos para meu próprio prazer.

De modo similar, a sensualidade por si mesma falha em ver o corpo humano como uma bela obra-prima da criação de Deus, pois reduz o corpo a um objeto a ser aproveitado para satisfazer os desejos sensuais de outrem. “Portanto, a sensualidade realmente interfere com a apreensão do belo, até mesmo da beleza corporal, sensual, pois introduz uma atitude de ‘consumo’ ao objeto: ‘o corpo’ é então considerado como um potencial objeto a ser usufruído”.

Michelangelo e Playboy

Isso também ajuda a explicar uma grande diferença entre a pornografia e a boa arte clássica que mostra a nudez de uma pessoa. Tanto a revista Playboy quanto algumas obras de arte dos Museus Vaticanos, por exemplo, podem apresentar os órgãos sexuais de um corpo humano. Na verdade, algumas pessoas na indústria pornográfica dizem que suas figuras são apenas outra forma de arte, mostrando a beleza do corpo. Alguns defensores da pornografia chegaram a perguntam porque a Igreja condena a pornografia mas permite a nudez mostrada em alguns de seus museus!

A pornografia da Playboy, entretanto, não chama atenção para a beleza do corpo humano. Chama atenção para o corpo como objeto a ser usado para a satisfação sexual pessoal. No final, é uma redução da pessoa humana ao valor sexual do corpo. Ao contrário, a boa arte que mostra o corpo não é uma redução da pessoa, mas um engrandecimento dela, levando-nos a contemplar o mistério da pessoa humana como uma obra-prima da criação de Deus.

A boa arte nos leva a uma pacífica contemplação da verdade, do bem, e do belo, incluindo a verdade, o bem e a beleza do corpo humano. A pornografia, por outro lado, não nos leva a tal contemplação, mas instiga em nós o desejo sensual pelo corpo de outra pessoa como objeto a ser explorado para nosso próprio prazer. Falando em termos simples: provavelmente não há tantos homens que caem em pecado ao contemplar as famosas pinturas de Adão e Eva na Capela Sistina. Mas provavelmente poucos serão os homens que não cairão em pensamentos impuros ao olhar para fotos da Playboy. (1)

Escravos da sensualidade

Uma terceira razão pela qual João Paulo II se preocupa com a sensualidade é que, se ela é deixada “solta”, nós nos tornamos escravos de tudo que estimula nosso desejo sensual. Por exemplo, um homem dado à sensualidade vê sua vontade ser tão fraca a ponto de se deixar levar por qualquer valor sexual que apareça imediatamente aos seus sentidos. Sempre que encontra uma mulher vestida de certa forma, ele não pode evitar de olhar para ela com pensamentos impuros. Sempre que vê imagens de mulheres na TV, na Internet, nos outdoors, ele não consegue resistir e olha para elas, pois deseja o valor sexual da mulher e quer aproveitar o prazer que obtém nesses olhares.

Especialmente em uma cultura altamente sexualizada como a nossa, somos constantemente bombardeados com imagens sexuais explorando nossa sensualidade, fazendo-nos focalizar o corpo do sexo oposto. Podemos, de fato, ser facilmente escravizados, pulando de um valor sexual para o outro, e para o outro, e para o outro, à medida que eles aparecem para nossos sentidos. Como observa João Paulo II, a sensualidade por si só “é caracteristicamente volátil, voltando-se para onde quer que encontre esse valor, sempre que um ‘possível objeto de prazer’ aparece”.

“Eu posso olhar, mas não posso tocar”

Além do mais, em um de seus pontos mais profundos nessa seção, o Papa João Paulo II nos alerta que uma pessoa pode usar o corpo de outra pessoa mesmo quando essa pessoa não está fisicamente presente. Um homem, por exemplo, não precisa ver, ouvir ou tocar uma mulher para se aproveitar de seu corpo para seu próprio prazer. Através de sua memória e imaginação, ele “pode fazer contato até mesmo com o ‘corpo’ de outra pessoa que não está fisicamente presente, experimentando o valor desse corpo na medida em que constitui um ‘possível objeto de prazer’”.

Vivemos em uma cultura onde muitos homens dizem a si mesmos: “O que tem de errado em ter pensamentos impuros por uma mulher? Não estou machucando ninguém quando faço isso!” Até mesmo alguns homens casados podem pensar: “Não estou cometendo adultério quando olho para uma mulher desse jeito. Ainda sou fiel à minha esposa. Eu posso olhar; só não posso tocar”. Entretanto, devemos nos lembrar das severas palavras de Cristo sobre esse assunto: “Todo aquele que olha para uma mulher com luxúria já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 28).

Os insights de João Paulo II nos ajudam a explicar o que realmente está acontecendo quando um homem olha com luxúria para uma mulher, e porque consentir com pensamentos impuros e fantasias sexuais é sempre moralmente errado e degradante para as mulheres. Na mente de um homem com luxúria, a mulher fica reduzida ao valor sexual do seu corpo. Ele a trata não como uma pessoa, mas como um corpo a ser explorado para seu próprio prazer, em seus olhares e pensamentos. E isso pode acontecer mesmo quando a mulher não está por perto, pois ele pode ainda manter contato com seu corpo e explorá-la para sua satisfação sexual em sua memória e imaginação. Isso é utilitarianismo grosseiro – muito distante do autêntico amor.

Em resumo, João Paulo II enfatiza que a sensualidade sozinha não é amor. Pode ser “matéria-prima” para o desenvolvimento do amor verdadeiro. Mas esse desejo pelo valor sexual do corpo deve ser complementado por outros elementos mais nobres do amor, tais como a boa vontade, a amizade, a virtude, o comprometimento total, e o amor-doação-de-si (temas a serem discutidos nos próximos artigos). Se a sensualidade não está cuidadosamente integrada com esses elementos mais nobres do amor, o desejo sensual pode ser danoso a um relacionamento. Na verdade, pode destruir o amor entre um homem e uma mulher, e pode impedir que o amor possa um dia se desenvolver entre um homem e uma mulher.

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Notas:
(1) O Papa discute especificamente esse tópico sobre arte e pornografia posteriormente em “Amor e Responsabilidade”. Primeiramente, ele diz que a arte pode às vezes representar o aspecto sexual do homem e da mulher e seu amor um pelo outro. “A arte tem um direito e um dever, pelo bem do realismo, de reproduzir o corpo humano, e o amor de homem e mulher como o são na realidade, a fim de falar a verdade integral sobre eles. O corpo humano é parte autêntica da verdade sobre o homem, assim como seus aspectos sensuais e sexuais são parte autêntica da verdade sobre o amor humano”. O Papa João Paulo II segue dizendo, entretanto, que seria errôneo mostrar os valores sexuais de maneira a obscurecer o verdadeiro valor da pessoa. E seria errôneo retratar o aspecto sexual do relacionamento de um casal de modo a obscurecer o autêntico amor de um pelo outro, que é muito mais do que sexual. Esse é o problema com a pornografia: ela chama atenção para o aspecto sexual de um homem ou mulher de um modo que nos impede de ver o verdadeiro valor da pessoa e a verdade integral do amor. “A pornografia é uma marcada tendência a acentuar o elemento sexual com o objetivo de induzir o espectador ou leitor a acreditar que os valores sexuais são os únicos valores reais da pessoa, e que o amor nada mais é do que experimentar somente esses valores sexuais. Essa tendência é danosa, pois destrói a imagem integral daquele importante fragmento da realidade humana, que é o amor entre homem e mulher. Pois a verdade sobre o amor humano sempre consiste em reproduzir o relacionamento interpessoal, não importando o quanto os valores sexuais possam predominar naquele relacionamento. Assim como a verdade sobre o homem é que ele é uma pessoa, não importando o quão conspícuos são os valores sexuais em sua aparência física.”

O Autor: Edward P. Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College, em Atchison, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.

sábado, 10 de março de 2012

Amor e Responsabilidade: para além do impulso sexual

Por Edward P. Sri, baseado em seu livro "Men, Women and the Mystery of Love"


Em nossa primeira reflexão sobre o livro "Amor e Responsabilidade", de João Paulo II, consideramos o "princípio personalista", o qual diz que não devemos tratar as outras pessoas meramente como meios para um fim.
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Particularmente, vimos como o utilitarianismo enfraquece nosso relacionamento, fazendo-nos valorizar as pessoas primeiramente em termos de algum prazer ou benefício que recebemos na relação com ela.

Ainda assim utilitaristas sofisticados podem argumentar que não há nada de errado em duas pessoas “usarem” uma à outra na medida em que eles consentirem mutuamente e receberem mutuamente alguma vantagem da relação. Na verdade, alguns dizem que um relacionamento que traz consigo o egoísmo (interesse próprio) do homem e o egoísmo da mulher de modo benéfico para os dois seria na verdade um relacionamento de amor.

Por exemplo, o que tem de errado com Bill e Sally terem sexo antes do casamento, se cada um dos dois consente, e cada pessoa ganha algum prazer com isso? Já que no ato sexual o desejo que Bill tem por prazer se harmoniza com o desejo que Sally tem por prazer, tal ato não parece ser egoísta. Ambos dão prazer um para o outro, e não apenas para si próprios.

O Papa João Paulo II aponta um grande problema com esse tipo de relacionamento: “No momento em que deixarem de consentir e deixarem de ser vantajosos um para o outro, nada mais restará da harmonia original. Não haverá amor, em nenhuma das pessoas nem entre elas”.

Esse tipo de relacionamento me impede de estar realmente em comunhão com a outra pessoa, de estar comprometido com ela como pessoa, pois esse tipo de relação ainda está dependente do que eu vou conseguir da outra pessoa. Estou “comprometido” com a pessoa apenas até o ponto – e somente até aí – em que recebo prazer ou vantagem do relacionamento. Na verdade, o Papa João Paulo II compara tal relacionamento de utilização mútua à prostituição.

Como a prostituição

Imagine um homem de negócios que tem um relacionamento com uma prostituta toda semana numa determinada noite. O homem deseja o prazer sexual que ela pode lhe dar, e a mulher deseja o dinheiro que ele pode lhe dar. Ambos possuem objetivos pessoais que convergem para o ato sexual e beneficiam a outra pessoa. Ambos conseguem o que querem, e no processo atendem aos desejos da outra pessoa.

Entretanto, no momento em que o encontro dessas duas pessoas deixa de ser mutuamente vantajosa, o que acontecerá com esse relacionamento? Se a prostituta pode ser mais bem paga por um homem mais rico naquela noite particular da semana, provavelmente ela vai deixar o primeiro homem de negócios pelo segundo, mais rico. Por outro lado, se o homem de negócios não acha mais a prostituta prazerosa, e encontra uma prostituta mais jovem e mais atraente, ele também provavelmente vai deixar a primeira prostituta pela segunda, mais jovem.

Isso pode parecer um exemplo exagerado, mas pense quantas relações entre homem e mulher no mundo de hoje não são muito melhores que isso? Quantos relacionamentos são baseados mais em um mútuo uso do que em amor compromisso e em uma comunhão verdadeira de pessoas? Por exemplo, quantas jovens mulheres entregam sua virgindade e dormem com um homem em troca da segurança emocional de ter um namorado ou por medo de que, se não o fizerem, esse homem pode terminar o relacionamento com ela? Quantos homens querem somente uma garota bonita para dormir com ela pelo prazer físico que pode conseguir com essa relação? Esses relacionamentos não são de autêntico amor que trazem as pessoas à comunhão uma com a outra. Ao invés, são simplesmente formais socialmente mais aceitáveis de um uso mútuo – similar à prostituição.

Insegurança, não amor

João Paulo II nota como as relações baseadas no utilitarianismo lançam medo e insegurança em uma ou ambas as pessoas. Um sinal de alerta que mostra a possibilidade de existir uma relação utilitária é quando uma pessoa tem medo de conversar com a outra sobre assuntos difíceis, ou teme resolver problemas na relação com a pessoa amada.

Uma razão pela qual muito casais (seja de namorados, noivos, ou casados) nunca enfrenta as dificuldades na relação com o outro é porque no fundo sabem que não há muita base sólida para o relacionamento continuar – apenas o prazer ou benefício mútuo. Teme-se que, se o relacionamento se tornar desafiador, exigente, ou difícil para a outra pessoa, ela vai “cair fora”. A única maneira de manter o relacionamento é esconder os problemas e fingir que as coisas não estão assim tão ruins quanto parecem. “O amor assim compreendido é por si mesmo evidentemente uma pretensão que tem que ser muito bem cultivada para esconder a realidade escondida: a realidade do egoísmo, e do tipo mais baixo de egoísmo, aquele que explora a outra pessoa para obter para si o ‘máximo de prazer’”.

O Papa João Paulo II então mostra como as pessoas nesse tipo de relacionamento às vezes permitem até mesmo serem usadas pelo outro a fim de conseguir o que desejam do relacionamento: “Cada uma das pessoas está preocupada principalmente em gratificar o próprio egoísmo, mas ao mesmo tempo consente em servir o egoísmo do outro, porque isso pode trazer a oportunidade de satisfazer depois o próprio egoísmo – e fazem isso apenas enquanto isso é verdade”.

Nesse caso, a pessoa deliberadamente se permite ser usada como meio para as intenções egoístas da outra pessoa. “Se eu trato uma outra pessoa como meio e como instrumento com relação a mim, não posso me considerar senão igualmente, à mesma luz, como meio. Nós temos aqui algo como o oposto do mandamento do amor”.

O impulso sexual

A sexualidade é uma das principais áreas onde podemos cair na atitude de usar uma outra pessoa. O Papa João Paulo II, portanto, despende muito tempo refletindo sobre a natureza do impulso sexual.

Primeiramente, ele discute como o impulso sexual se manifesta na tendência das pessoas humanas buscarem o sexo oposto. Ele diz que o impulso sexual orienta um homem para as características físicas e psicológicas de uma mulher – seu corpo, sua feminilidade – que são os próprios atributos mais complementares ao homem. E a mulher, por sua vez, está orientada para os atributos físicos e psicológicos de um homem – seu corpo e sua masculinidade – as propriedades que são naturalmente complementares para a mulher. Portanto, o próprio impulso sexual é experimentado como uma atração corporal (física) e emocional (psicológica) para uma pessoa do sexo oposto.

Entretanto, o impulso sexual não é uma atração para as qualidades físicas e emocionais do sexo oposto no abstrato. O Papa João Paulo II enfatiza que esses atributos somente existem em uma pessoa humana concreta. Por exemplo, nenhum homem é atraído ao “loira” ou “morena”, abstratamente. Ele se sente atraído, ao invés, a uma mulher – uma pessoa em particular – que pode ter cabelo loiro ou moreno. Uma mulher não se sente primariamente atraída pela “masculinidade” como um conceito teórico, mas ela pode se sentir muito atraída por um homem particular que exibe certos traços tradicionalmente masculinos, tais como coragem, decisão, força, e cavalheirismo.

O Papa João Paulo II enfatiza esse ponto para mostrar como o impulso sexual, em última análise, dirige-se à pessoa humana. Portanto, o impulso sexual não é, em si mesmo, ruim. Na verdade, por se destinar a nos orientar em direção a outra pessoa, o desejo sexual pode fornecer um espaço para o autêntico amor se desenvolver.

Isso não quer dizer que o impulso sexual deve ser igualado ao amor. O amor envolve muito mais do que as reações sensuais ou emocionais espontâneas que são produzidas pelo desejo sexual; o autêntico amor requer atos da vontade dirigidos em prol do bem da outra pessoa. Ainda assim, o Papa João Paulo II diz que o impulso sexual pode fornecer a “matéria-prima” a partir da qual atos de amor podem surgir – isso se for guiado por um grande senso de responsabilidade pela outra pessoa.

Mais do que instinto animal

É importante notar que o impulso sexual nas pessoas humanas não é o mesmo que o instinto sexual encontrado nos animais. O Papa João Paulo II explica que nos animais o instinto sexual é um modo reflexo de ação, que não depende de pensamento consciente. Por exemplo, uma gata fêmea no cio não reflete qual o melhor tempo, lugar ou circunstância para ela acasalar, e não pensa em qual gato macho das vizinhanças ela quer como parceiro ideal. Os gatos simplesmente agem por reflexo, de acordo com seus instintos.

As pessoas humanas, entretanto, não precisam ser escravas do que está borbulhando dentro delas na esfera sexual. No final das contas, a pessoa está em controle do impulso sexual – e não o contrário. A pessoa pode escolher como vai usar esse impulso.

Um homem, por exemplo, pode experimentar uma atração sexual por uma mulher. Ele às vezes pode até experimentar essa atração como algo que acontece a ele – algo que começa a tomar lugar em sua vida sensual ou emocional sem nenhuma iniciativa de sua parte. Entretanto, essa atração pode e deve estar subordinada ao seu intelecto e sua vontade. Uma pessoa pode não ser sempre responsável pelo que lhe acontece na área da atração sexual, mas ela é sempre responsável pelo que decide fazer em resposta a esses estímulos interiores.

Amar ou usar?

Lembremo-nos que o impulso sexual nos conduz aos atributos físicos e psicológicos da pessoa do sexo oposto. Mas, em última análise, existe para nos conduzir à pessoa que possui esses atributos – não apenas aos atributos em si. As manifestação do impulso sexual, portanto, nos colocam diante de uma decisão entre amar a pessoa e usá-la devido a seus atributos.

Por exemplo, digamos que Bill conhece Sally no trabalho, e rapidamente se sente atraído pela sua beleza e personalidade encantadora. Bill pode escolher entre se elevar acima dessa reação sexual inicial e ver nela mais do que apenas seu corpo e sua feminilidade. Ao olhar além dos atributos físicos e psicológicos que lhe dão prazer, ele tem a possibilidade de vê-la como uma pessoa, e responder a ela com atos de amor desinteressado.

Por outro lado, Bill pode experimentar a atração sexual e escolher a fixação nas qualidades físicas e psicológicas que lhe dão prazer. Fixando-se na sua beleza e no seu charme feminino – e no prazer que deles deriva – ele se distrai, perde a capacidade de ver Sally como ela realmente é, não consegue mais amá-la como uma pessoa. Ele pode ser gentil com ela, mas está, ao menos em algum grau significante, fazendo isso a fim de receber algum prazer sensual ou emocional derivado da proximidade para com ela. No final das contas, portanto, Bill a está usando como fonte de prazer para si.

O Papa João Paulo II diz que, se a interação entre um homem e uma mulher permanece no nível dessas reações iniciais produzidas pelo impulso sexual, o relacionamento não é capaz de amadurecer para uma comunhão verdadeira de pessoas. “Inevitavelmente, então, o impulso sexual em um ser humano está sempre no curso natural das coisas que se direcionam a outro ser humano. Se está se direcionando apenas aos atributos sexuais como tais, isso deveria ser reconhecido como um empobrecimento ou mesmo uma perversão desse impulso”.

Esse é um ponto importante para nossos encontros cotidianos com pessoas do sexo oposto. Seguindo o princípio personalista, o Papa João Paulo II nos lembra como devemos ser cuidadosos a fim de evitar tratar as outras pessoas como potenciais objetos para nosso próprio prazer sensual ou emocional. Lendo essas linhas, devemos nos perguntar uma questão crucial: O que faremos quando experimentarmos a excitação da atração sexual por uma particular pessoa do sexo oposto? O que um homem escolherá fazer quando percebe a beleza física de uma mulher? O que uma mulher escolherá fazer quando se sente atraída por um homem?

Nesses momentos importantes, podemos fazer a escolha de nos fixarmos nos prazeres sensuais ou emocionais que recebemos do corpo ou da masculinidade ou feminilidade da outra pessoa. E, ao fazer isso, estaremos vendo a pessoa como um objeto para usufruto pessoal, e assim estaremos caindo no utilitarianismo. Ou, ao contrário, podemos procurar cultivar o amor autêntico pela própria pessoa, dirigindo nossa atenção para a pessoa na sua integralidade. Olhando além dos atributos físicos e psicológicos, e vendo a pessoa real, abrimos as portas ao menos à possibilidade de desejar o bem da outra pessoa, como na amizade virtuosa, e nos abrimos a realizar atos de gentileza verdadeiramente altruístas – os quais não dependem da quantidade de prazer que recebemos do relacionamento.

Com esses insights, o Papa João Paulo II nos lembra que nossas delicadas interações com as pessoas do sexo oposto demandam grande responsabilidade. “Por essa mesma razão, as manifestações do impulso sexual no ser humano devem ser avaliadas no plano do amor, e qualquer ato que dele se origina forma um elo na corrente da responsabilidade, a responsabilidade pelo amor”.

Nas próximas reflexões, exploraremos os insights do Papa João Paulo II sobre como podemos, na prática, dirigir nossa atenção para a pessoa, não apenas para seus atributos sexuais, a fim de acolher o amor e a responsabilidade autênticas por aqueles que estão perto de nós.

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O Autor: Edward P. Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College, em Atchison, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.

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Traduzido de: http://www.catholiceducation.org/articles/marriage/mf0076.html

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quinta-feira, 8 de março de 2012

Amor e Responsabilidade: entendendo corretamente as bases da amizade

Por Edward P. Sri (baseado em seu livro "Men, Women and the Mystery of Love")

O que um padre celibatário pode nos ensinar sobre amor, sexualidade, e relacionamentos entre homem e mulher?

Essa é a pergunta que um padre polonês, Karol Wojtyla, se fez na introdução de seu livro revolucionário, "Amor e Responsabilidade". Publicado em 1960, esse livro sobre a ética sexual foi fruto do extenso trabalho pastoral do Pe. Wojtyla com jovens, e das reflexões filosóficas que fez sobre esse tema quando ainda servia como sacerdote e professor universitário em Cracóvia - muito antes do mundo conhecê-lo como João Paulo II.


No livro "Amor e Responsabilidade", o Pe. Wojtyla argumenta que, apesar de faltar ao sacerdote a experiência direta do casamento e da sexualidade, ainda assim existe algo que lhe confere uma perspectiva ainda mais ampla nesses assuntos: uma vasta "experiência secundária". Como conselheiro espiritual que trabalhava bem próximo a muitos jovens adultos e jovens casais em meio a suas batalhas no campo do amor e da sexualidade, Pe. Wojtyla pôde aprender com a experiência de lidar com um variado espectro de personalidades, relacionamentos e casamentos, de um modo tal que não seria possível a um homem leigo. "Amor e Responsabilidade" foi o fruto dessa rica experiência pastoral, bem como de suas próprias reflexões filosóficas e teológicas sobre o amor, o sexo e o matrimônio.

Um grande livro

Janet Smith, dos Estados Unidos, uma das grandes palestrantes de ética sexual, afirma que "Amor e Responsabilidade" não é apenas um livro importante. Ela diz que esse livro deveria ser reconhecido como uma das maiores obras da civilização ocidental. Segundo ela, deveríamos colocar "Amor e Responsabilidade" junto com a "Ilíada" de Homero, a "Divina Comédia" de Dante, as "Confissões" de Santo Agostinho, na lista dos grandes livros do mundo, pelos séculos que virão. Ela diz: "Eu acredito que o livro do Papa João Paulo II deve figurar nessa lista por achar que as gerações futuras irão ler esse livro - elas certamente o devem fazer, pois se o fizerem verão que o livro enfrenta com firmeza questões que todo temos sobre a vida, além de oferecer uma maneira de ver as relações humanas que, se aceita, pode alterar radicalmente a maneira com a qual conduzimos nossas vidas". (1)

De fato, "Amor e Responsabilidade" fornece insights sobre o relaiconamento homem-mulher que realmente são capazes de mudar vidas - e são desesperadamente necessários hoje em dia. A nova geração, crescida no período pós-revolução sexual, está sedenta por qualquer direcionamento que a ajude a conduzir seus relacionamentos com o sexo oposto. Solteiros, noivos e jovens casais encontrarão em "Amor e Responsabilidade" não apenas uma perspectiva diferente de tudo que o mundo tende a oferecer, mas uma visão que, uma vez encontrada, certamente terá um impacto positivo na maneira com que nos relacionamos com os outros.

Nesta curta série de artigos, meus objetivos são modestos. Não pretendo oferecer uma análise acadêmica desse livro, nem entrar em debates eruditos sobre ética sexual. Pretendo, apenas, tornar mais acessíveis aos leitores leigos alguns dos insights dessa desafiante obra filosófica, e oferecer algumas de minhas próprias reflexões durante esse caminho, com a esperança de que os leitores possam se beneficiar da visão que o Papa João Paulo II tem sobre o amor e a sexualidade, e para que possam encontrar aplicações em suas próprias vidas.

O princípio personalista

O primeiro grande objetivo do Papa João Paulo II no livro “Amor e Responsabilidade” é explicar o que ele chama de “princípio personalista”. De acordo com esse princípio fundamental para as relações humanas, “uma pessoa não deve ser para a outra pessoa apenas um meio para atingir um fim”. Em outras palavras, nunca devemos tratar as pessoas como meros instrumentos para atingir nossos próprios objetivos.

João Paulo II explica porque deve ser assim. As pessoas humanas são capazes de autodeterminação. Ao contrário dos animais, que agem de acordo com seus instintos e apetites, os seres humanos podem agir deliberadamente. Através da autorreflexão, as pessoas podem escolher um curso de ação para si mesmas, e impor seu “mundo interior” para o mundo exterior através de suas escolhas. Tratar uma pessoa humana como mero instrumento para meus próprios objetivos é violar a dignidade da pessoa como ser que pode se autodeterminar. “Toda pessoa é, por natureza, capaz de determinar seus próprios fins. Qualquer um que trate uma pessoa como um meio para um fim violenta a própria essência do outro” (trecho do livro Amor e Responsabilidade).

Amar ou usar?

O que torna difícil viver na prática esse princípio básico das relações humanas é o espírito de utilitarianismo que permeia nossa sociedade Na visão utilitarista, as melhores ações humanas são aquelas que são mais úteis. E útil é aquilo que maximiza meu prazer e conforto e minimiza minha dor. A pressuposição que está por trás desse pensamento é que a felicidade consiste no prazer. Portanto, eu deveria sempre, segundo essa visão, perseguir tudo que me desse conforto, vantagem e benefício, e deveria evitar tudo que causasse sofrimento, desvantagem e perda.

Essa visão utilitarista afeta a maneira com que nos relacionamos com o outro. Se meu objetivo principal é perseguir meu próprio prazer, então eu faço as escolhas na minha vida com base em quanto elas me levarão a esse objetivo. Disso resuta que muitas pessoas hoje em dia – até mesmo bons cristãos – podem avaliar um relacionamento em termos de quão útil uma pessoa é para que eu atinja esse objetivo, ou quanta “diversão” eu tenho com essa pessoa. O Papa João Paulo II diz que, uma vez adotada essa atitude utilitária, começamos a reduzir as pessoas em nossas vidas a simples objetos que usamos para nosso próprio prazer.

Isso ajuda a explicar porque muitas amizades e “namoros” (e até mesmo casamentos) hoje em dia são tão frágeis e tão facilmente se dissolvem. Se eu avalio uma mulher com base apenas no que ela pode me trazer de “vantagem”, ou apenas com base no quanto eu posso obter de prazer estando com ela, então esse relacionamento não tem fundamentos sólidos. Assim que eu deixar de experimentar prazer ou benefício do tempo que passo com ela – ou assim que eu encontre outra pessoa que me dê mais prazer ou benefício –, ela passa a não valer mais nada para mim. Essa visão é muito distante do princípio personalista, e mais distante ainda de um relacionamento baseado no amor compromissado.

Amor e amizade

Aqui, pode ser útil mencionar os diferentes tipos de amizade, de acordo com Aristóteles, a quem o Papa João Paulo II cita na sua discussão sobre o amor.

Para Aristóteles, há três tipos de amizade, baseados em três tipos de afeição que unem as pessoas. Primeiramente, em uma amizade “por utilidade”, a afeição está baseada no benefício ou uso que os amigos extraem do relacionamento. Cada pessoa ganha alguma coisa com a amizade que serve a seu benefício, e o benefício mútuo da relação é o que une as duas pessoas.

Por exemplo, muitas amizades no ambiente de trabalho estão nessa categoria. Digamos que Bob possui uma empresa de construção civil em Boston. Ele tem uma amizade com Sam em São Francisco porque Sam vende pelo melhor preço o tipo de parafuso que Bob precisa. Para realizarem seus negócios Bob e Sam se encontram algumas vezes no ano, falam no telefone mais ou menos uma vez por semana, e trocam e-mails com certa frequência. Ao longo dos anos fazendo negócios, os dois aprenderam sobre a carreira, a família e os interesses do outro. Eles se dão bem, e sinceramente desejam tudo de bom na vida da outra pessoa. Eles são amigos, mas o que os une é o benefício particular que ganham com a amizade: parafusos para Bob e vendas para Sam.

Em segundo lugar, em uma amizade “por satisfação” a base da afeição é o prazer que se tira do relacionamento. Vê-se o amigo como a causa de algum prazer ou satisfação para si. Essa amizade busca sobretudo ter “diversão” com a outra pessoa. Os amigos podem escutar o mesmo tipo de música, praticar o mesmo esporte, gostar do mesmo tipo de atividade física, viver no mesmo dormitório, ou gostar de sair para as mesmas baladas. As duas pessoas podem se importar sinceramente com o outro, e desejar para o outro tudo de bom na vida, mas o que os une como amigos é primariamente o prazer ou a “diversão” que vivenciam juntos.

Fundamentos frágeis

Aristóteles nota que os tipos de amizade “por utilidade” e “por satisfação” são formas básicas de amizade, e não representam a amizade no sentido mais pleno. Amizades “por utilidade” e “por satisfação” não são necessariamente ruins, porém são as mais frágeis. Têm menos probabilidade de sobreviver ao teste do tempo, porque quando não existem mais os mútuos benefícios ou a “diversão” já não resta mais nada a unir as duas pessoas. Por exemplo, se Sam deixasse de vender parafusos, e passasse a vender livros, o que aconteceria com sua amizade com Bob, já que ele não venderia mais os parafusos que Bob precisa? Eles poderiam até trocar cartões de Natal, e e-mails de vez em quando, mas a amizade começaria a se dissolver, pois eles não precisariam mais se comunicar regularmente para tratar de negócios. A relação não é mais mutuamente benéfica.

De modo similar, na amizade “por satisfação”, quando os interesses de uma pessoa mudam, ou quando alguém se muda e não está mais por perto para compartilhar os momentos “de diversão”, provavelmente a amizade se esvanece. Isso ajuda a explicar porque a amizade entre os jovens muda com tanta rapidez. No processo de mudança do colégio para a faculdade e depois para o mundo profissional eles amadurecem, e seus interesses, valores, convicções morais e localizações geográficas tendem a sofrer muitas mudanças. Se suas amizades nesse período de transição não estão baseadas em algo mais profundo do que o simples fato de viverem no mesmo dormitório, praticar o mesmo esporte, e se divertirem juntos, as amizades provavelmente se dissolverão com o tempo.

Essas amizades baseadas em momentos de “diversão” juntos tendem a não continuarem depois que as experiências agradáveis não se encontram mais ali para serem compartilhadas.

Amizade virtuosa

Para Aristóteles, a terceira forma de amizade é a amizade no sentido pleno. Pode ser chamada amizade virtuosa porque os dois amigos estão unidos não por interesses próprios, mas pelo interesse em um objetivo comum: a “vida virtuosa”, a vida moral que se encontra na virtude.

O problema da amizade por prazer ou utilidade é que a ênfase está no que eu obtenho com ela. Entretanto, na amizade virtuosa, os dois amigos estão comprometidos em alcançar algo fora de si mesmos, algo que vai além de seus interesses pessoais. E esse bem maior é o que os une na amizade. Lutando lado a lado pela vida virtuosa, e encorajando um ao outro na vivência das virtudes, o amigo verdadeiro não se preocupa com o que vai obter do relacionamento, mas com o que é melhor para seu amigo e se preocupa em alcançar a vida virtuosa com seu amigo.

O que faz iniciar ou terminar um relacionamento

Com esse contexto em mente, o Papa João Paulo II nos fornecer a chave para evitar que nossos relacionamentos caiam nas águas egoístas do utilitarianismo. Ele diz que a única maneira de dois seres humanos evitar usar um ao outro é se relacionar em vista de um bem comum, como na amizade virtuosa. Se a outra pessoa vê o que é bom para mim, e adota isso como bem para si própria, “estabelece-se uma ligação especial entre eu e essa outra pessoa: a união de um bem comum e de um objetivo em comum”. Esse objetivo comum une as pessoas interiormente. Quando não vivemos nossos relacionamentos com esse bem comum em mente, inevitavelmente trataremos a outra pessoa como um meio para um fim, para algum prazer ou uso.

Especialmente no casamento, há uma tentação a se portar de forma egoísta, a querer que o cônjuge ou os filhos se adaptem a nossos próprios planos, agendas e desejos. Por exemplo, quando se aproxima o final de semana, eu posso pensar apenas nas coisas que quero fazer – projetos que desejo completar em casa, trabalho que preciso realizar, eventos esportivos que quero assistir – sem dar prioridade ao que meu cônjuge ou meus filhos possas precisar de mim. Eu posso alegremente concordar em gastar dinheiro com coisas que são importantes para mim, mas resistir firmemente aos desejos de minha mulher de investir em algo que não me beneficia diretamente, mesmo sendo importante para nossa família.

Entretanto, o Papa João Paulo II nos lembra que a amizade verdadeira, especialmente a amizade no matrimônio, deve ser centrada na união por um bem comum. No matrimônio cristão, esse objetivo comum envolve a união dos esposos, e o serviço um ao outro, ajudando um ao outro a crescer em santidade, e também a procriação e a educação dos filhos.

Nossas próprias preferências e agendas devem estar subordinadas a esses bens maiores. Marido e mulher devem estar subordinados um ao outro para o bem dos filhos, buscando evitar que qualquer individualismo egoísta atrapalhe a família. Como em um time, marido e mulher trabalham em prol desse bem comum, e discernem juntos como usar melhor seu tempo, energia e recursos para atingir esses bens comuns do matrimônio.

O Papa João Paulo II explica como a união em torno desse bem comum garante que uma pessoa não esteja sendo usada ou negligenciada por outra. “Quando duas pessoas diferentes conscientemente escolhem um objetivo comum, isso as coloca em igualdade e afasta a possibilidade de uma estar sendo subordinada a outra. Ambas... por assim dizer... estão subordinadas àquele bem que constitui o objetivo comum”.

Sem essa finalidade comum, nossos relacionamentos inevitavelmente cairão em algum tipo de utilização da outra pessoa para nosso benefício ou prazer. No próximo artigo, consideraremos quão crucial esses pontos fundamentais de “Amor e Responsabilidade” são no trato com as atrações emocionais e físicas que tantas vezes experimentamos quando encontramos pessoas do outro sexo.

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Notas:
(1) Janet Smith, “John Paul II and Humanae Vitae” in Why Humanae Vitae was Right (San Francisco: Ignatius Press, 1993), 232.
(2) For a more extensive treatment of friendship in Aristotle, see J. Cuddeback, Friendship: The Art of Happiness (Greeley, CO: Epic, 2003).


O Autor: Edward Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College em Atchinson, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.

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Traduzido de: http://www.catholiceducation.org/articles/marriage/mf0078.html

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A Dignidade Cristã da Mulher

Do maravilhoso post sobre a dignidade cristã da mulher:
http://donzelacrista.blogspot.com/2012/03/dignidade-crista-da-mulher.html


Não se esqueça de que Ele, a Quem o universo inteiro não pode conter, foi “escondido” no ventre da Santa Virgem por nove meses. Uma vez que você percebe isto você ficará maravilhada pelo duplo mistério que Deus confiou a você: conceber um ser humano feito à imagem e semelhança de Deus, e dar à luz a ele em meio à dor e sofrimento. Não se esqueça que foi também em meio à dor e sofrimento que Cristo reabriu para nós os portões do paraíso – o qual foi fechado pelo pecado.
Para a mulher foi concedido o impressionante privilégio de nobre sofrimento para que um novo ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, pudesse vir ao mundo. Medite sobre isto por um momento e você sentirá uma profunda reverência pelo seu corpo. Ele pertence a Deus, e não é um “brinquedo” que você pode dispor para própria satisfação.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Apoio ao Pe. Paulo Ricardo

Caros leitores(as),

Hoje vou fugir um pouco dos temas de castidade para defender um sacerdote pelo qual tenho a maior consideração, e que nos ajuda muito por aqui, basta ver o vídeo dele no último post. Trata-se do Pe. Paulo Ricardo.



Jamais li ou ouvi nada do Pe. Paulo Ricardo que fosse errado ou fora da doutrina da Igreja. Pois bem, eis que tomo conhecimento de uma carta aberta lançando denúncias graves e infundadas contra ele. Se for mesmo verdade, é lamentável. Em todo caso, deixo aqui registrado meu apoio ao Pe. Paulo Ricardo. Que Deus continue abençoando seu edificante testemunho e sua missão.

Para saber mais, acompanhe o blog Dominus Vobiscum:
http://domvob.wordpress.com

sábado, 3 de março de 2012

Posso comungar tendo o vício da masturbação e da pornografia?

Convido a assistir o excelente (como sempre) vídeo do Pe. Paulo Ricardo, que pode ajudar muitas e muitas pessoas que estão passando por dificuldades.



Do site do Pe. Paulo Ricardo: http://padrepauloricardo.org/audio/73-a-resposta-catolica-posso-comungar-tendo-o-vicio-da-masturbacao-e-da-pornografia/

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