sábado, 7 de abril de 2012

Amor e ... responsabilidade?

Por Edward P. Sri

Fala-se rotineiramente que metade dos casamentos termina em divórcio. Mas o que muitas vezes não é discutido é a outra metade da equação: os casamentos que não acabam. Esses casamentos estão indo muito bem? Será que os cônjuges que permanecem juntos realmente se sentem próximos um do outro? Será que eles alcançam uma intimidade verdadeira, pessoal e duradoura?
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A situação nesse outro lado não é muito bonita. Estudos tem mostrado que a maioria dos casais não se sentem unidos a um amigo(a) verdadeiro(a). Na verdade, apenas 1 de cada 10 casais nos Estados Unidos dizem experimentar intimidade emocional no relacionamento.

Um bom casamento não é aquele onde as pessoas simplesmente permanecem juntas. Um bom casamento é aquele em que os esposos experimentam uma profunda comunhão pessoal um com o outro. Queremos casamentos em que pessoas com 10, 20 ou 30 anos de casado possam dizer: “Eu amo meu(minha) esposo(a) agora mais do que quando me casei”.

Para João Paulo II – então Karol Wojtyla – o segredo para a comunhão pessoal na vida conjugal é o amor-doação-de-si, e um senso que acompanha esse amor, um senso de responsabilidade pelo dom que é a outra pessoa. Na verdade esse tema da aresponsabilidade é tão importante que ele o colocou no título do seu livro sobre amor, casamento e relacionamento entre homem e mulher. O livro não se chama simplesmente “Amor”, mas “Amor e Responsabilidade”.

O que é essa responsabilidade? E como ela pode transformar os relacionamentos entre esposos, noivos, e pessoas significativas? É isso que vamos explorar nesta reflexão.

Responsabilidade

Pense no que acontece em um amor onde há compromisso. Em nossa última reflexão, vimos que o sentido mais pleno do amor envolve duas pessoas que se doam uma à outra. E essa auto-doação nada mais é do que uma entrega total da vida da pessoa para outrem – um render as próprias preferências, liberdade, e vontade em prol do outro.

Isso significa que, no verdadeiro amor comprometido, meu(minha) amado(a) entrega completamente sua vida a mim. Essa pessoa renuncia livremente e amorosamente a sua autonomia e devota sua vontade ao bem do nosso casamento e ao bem de nossa família. Portanto, já que a pessoa amada confia sua vida inteiramente a mim dessa maneira única, eu devo, por minha vez, possuir um profundo senso de responsabilidade por ela – pelo seu bem-estar, sua felicidade, sua segurança emocional, sua santidade. Como explica Wojtyla: “Existe no amor uma responsabilidade particular – a responsabilidade por uma pessoa que está ligada pelo compromisso mais íntimo possível com a vida e a atividade de outra pessoa, e se torna, de certo modo, propriedade de quem recebe essa entrega de vida, esse dom de si” (Amor e Responsabilidade).

Aqui, Wojtyla oferece um padrão para o amor que é contra-cultural: “Quanto maior o sentimento de responsabilidade pela pessoa, mais há amor verdadeiro” (Amor e Responsabilidade). Note que ele não disse que haveria mais amor onde fossem mais fortes as emoções. A verdadeira medida para o amor não é o quanto se gosta de estar com a pessoa amada, ou quanto prazer se recebe dela. O amor autêntico não é tão centrado em si mesmo, constantemente olhando para dentro de si, para minhas próprias emoções e desejos. Ao invés, o verdadeiro amor olha para fora, com um fascínio para com meu(minha) amado(a) que entregou sua vida a mim, e tem um profundo senso de responsabilidade pelo seu bem, especialmente à luz do fato de que essa pessoa se entregou a mim dessa maneira.

Aceitando o dom

Para que possamos apreciar melhor o papel crucial que a responsabilidade possui em um relacionamento, vamos considerar os dois aspectos do amor doação-de-si. Por um lado, existe um doar a mim mesmo: a pessoa amada se entrega a mim e eu me entrego a ela. Por outro lado, há a aceitação da outra pessoa: eu aceito a pessoa amada como um dom que me foi confiado, e ela me aceita como um dom. Wojtyla observa como existe, no amor verdadeiro, um grande mistério de reciprocidade no dar e receber de um pelo outro. Na verdade, ele faz uma afirmação muito intrigante sobre isso: “Aceitação também deve ser doação, e doação também deve ser recepção” (Amor e responsabilidade).

Em que sentido aceitação é doação? Em outras palavras, em que sentido a aceitação da pessoa amada é um verdadeiro dom para ela? Os insights de João Paulo II na Teologia do Corpo nos ajudarão a compreender (1). Ao comentar sobre a união de Adão e Eva, ele explica que quando Eva foi apresentada a Adão pela primeira vez, ela foi plenamente aceita por ele, e os dois se tornaram intimamente unidos, como uma só pessoa. “Então o homem disse: ‘Finalmente essa é osso dos meus ossos e carne da minha carne’, portanto o homem deixa seu pai e sua mão e se une a sua mulher, e os dois se tornam uma só carne” (Gen 2, 23-24).

Como o pecado ainda não havia entrado no mundo Adão não lutava contra o egoísmo. Portanto, ele amava sua mulher não pelo que ele poderia lucrar com o relacionamento (uma ajudante para cuidar do jardim, companhia, prazer emocional, prazer sexual etc.). Ao invés, ele a amava pelo que ela era como pessoa. Ele aceitava sua mulher como esse tremendo dom ao qual ele iria cuidar e proteger. Ele tinha um profundo senso de responsabilidade por ela, e ele sempre buscava o que fosse melhor para ela, não para seus próprios interesses. Ele nunca fez nada que pudesse magoá-la.

A chave para a intimidade

Coloque-se no lugar de Eva. Imagine ter um esposo como esse! Imagine como ela deve ter se sentido totalmente aceita desse modo. De fato, foi um grande dom para ela ter um esposo que a recebeu alegremente e que a amou por ela mesma, pois seus anseios por uma comunhão pessoal puderam ser atendidos. A aceitação total de Eva por parte de Adão forneceu a ela a segurança que ela precisava para se sentir capaz de confiar seu coração e toda sua vida completamente a ele, sem medo de ser frustrada. Em outras palavras, o amor e a aceitação verdadeiros que Adão teve para com Eva fez florescer no coração dela a confiança que torna possível a intimidade emocional (2).

Essa é a chave para a comunhão pessoal no matrimônio. Eva nunca sentiu medo de ser usada por Adão, de ser incompreendida por ele, ou de ser magoada por ele, visto que ela tinha total confiança no amor dele. Portanto, nesse contexto do amor e da responsabilidade compromissada, ela se sentia livre para se entregar completamente a seu marido – emocional, espiritual e fisicamente – sem guardar nada para si.

De volta ao paraíso

Esse é o tipo de dinâmica que queremos para nossos casamentos: uma confiança integral, que torna possível a intimidade pessoal. Entretanto, a pessoa amada só vai aumentar sua confiança em mim – e consequentemente desvelar seu coração para mim – à medida que ele sente que estou comprometido com ela, que a aceito totalmente, e que sinto uma grande responsabilidade em procurar o que é melhor para ela.

Isso não é uma coisa fácil de se alcançar. Ao contrário de Adão e Eva no jardim, nossa natureza é decaída. Somos egoístas, e muitas vezes fazemos coisas que magoam a outra pessoa, e quebram a confiança, fazendo regredir a intimidade. Por exemplo, quando um homem está mais preocupado com o que precisa fazer no trabalho do que com as necessidades de sua esposa, ele envia para ela uma mensagem de que ela não é prioridade – de que todo o resto é mais importante. Isso, é claro, não ajuda a construir a confiança, e só a faz sentir mais distante de seu marido. Do mesmo modo, uma esposa que constantemente reclama do seu marido e o critica por suas fraquezas, por não conseguir fazer os trabalhos de casa, ou por não ter um emprego melhor, pode fazê-lo sentir-se desrespeitado ou indesejado. Essas reclamações provavelmente só irão torná-lo mais distante emocionalmente dela.

E quando experimentamos as fraquezas da pessoa amada, e nos sentimos magoados por algo que ela fez? Quando nos magoamos, temos a tentação de alimentar a frustração para com a pessoa amada, dizendo para nós mesmos: “Porque ele sempre faz isso? Ele nunca vai mudar!”. Podemos nos tornar defensivos (“Não foi culpa minha! Porque ela não entende?”). Podemos levantar barreiras (“Não vou mais contar para ele o que realmente estou sentindo... ele não liga mesmo...”). Podemos até começar a duvidar do amor (“ Se eu tivesse casado com outra pessoa, não seria tratado dessa maneira”).

Wojtyla nos lembra que é nesses momentos que nossa aceitação e responsabilidade pela outra pessoa são mais testadas. Por isso, devemos “amar a pessoa completamente, com todas as suas virtudes e faltas, até o ponto em que a amemos independente dessas virtudes e apesar dessas faltas” (Amor e Responsabilidade). Ele não está dizendo que devemos condescender ou ignorar os pecados e as fraquezas da pessoa amada. Mas ele está nos desafiando a evitar enxergar a pessoa amada como se fôssemos um advogado de acusação. Embora feridos, devemos olhar para além dos meros fatos (“Ela fez aquilo comigo!”) e ver a pessoa, que preserva seu grande valor mesmo em meio às fraquezas e pecados. Afinal de contas, como temos visto nessas reflexões, o amor é direcionado à pessoa – não apenas ao que ele(ela) faz por mim. Então, quando a pessoa amada está em um momento não tão bonito assim – não me é prazeroso, e na verdade faz algo que me magoa – ainda haverá amor e aceitação total para ela?

Esse é o tipo de pergunta que consegue atingir o âmago da questão do amor. Como resume Wojtyla:

“A força de tal amor emerge mais claramente quando a pessoa amada “tropeça”, quando suas fraquezas ou mesmo pecados ficam à mostra. Quem ama de verdade não retira seu amor, mas ama ainda mais, ama com plena consciência das limitações e pecados da outra pessoa, e sem aprová-los na mais mínima condição que seja. Pois a pessoa em si nunca perde seu valor essencial. A emoção que se vincula ao valor intrínseco da pessoa permanece fiel ao ser humano” (Amor e Responsabilidade).

Isso, claro, é análogo ao modo como o Senhor nos ama. Apesar de nossos pecados e falhas, Deus permanece fiel a nós, olhando-nos pacientemente e misericordiosamente, em face de nossas faltas. Ele continua conosco mesmo quando fazemos coisas que ferem nosso relacionamento com Ele.

Portanto, se queremos seguir a imagem de Cristo em nossos casamentos, devemos primeiramente e de modo mais intenso desenvolver uma atitude profunda de amor e de aceitação pelos nossos cônjuges do modo como eles são, com todas as suas imperfeições. Ao invés de tentar mudá-los ou de se irritar com suas faltas, devemos permanecer firmemente comprometidos com eles como pessoas que nos foram confiadas com dom. Nossa atitude fundamental para com a pessoa amada, em meio a suas fraquezas, não deve ser de agitação, defesa, ou irritação, mas sim de aceitação incondicional em nosso coração pelo(a) esposo(a) que ele(a) é, suportando pacientemente suas faltas. Quando fazemos isso, começamos a amar como Deus ama.
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Notas:
(1) Ver as catequeses da Teologia do Corpo presentes no livro “Homem e mulher o criou – Ed. EDUSC”.
(2) Nesta curta reflexão focalizei a aceitação que Adão teve para com Eva, porém o mesmo pode ser dito na outra direção. A aceitação total de Adão como dom, por parte de Eva, serve igualmente como dom para ele, fortalecendo mais ainda a confiança e a intimidade no relacionamento.
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O Autor: Edward Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College em Atchinson, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
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Traduzido de: http://catholiceducation.org/articles/marriage/mf0071.html
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